Pobreza menstrual no Brasil: o tabu que agrava a desigualdade de gênero

Pobreza menstrual é o nome dado à falta de acesso a produtos básicos para manter uma boa higiene no período da menstruação. Não é apenas a falta de dinheiro para comprar absorventes, mas também a ausência ou precariedade de infraestrutura, como banheiros, falta de água e saneamento básico. Esse é um problema ainda mais preocupante pois falar de menstruação ainda é um tabu na sociedade. A maioria das mulheres tem vergonha de discutir sobre processos naturais do corpo feminino por causa da desinformação e dos estigmas.

O acesso à higiene menstrual é um direito humano e uma questão de saúde pública reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2014, mas que ainda não é uma realidade. No Brasil, uma em cada quatro adolescentes não tem acesso a absorventes durante seu período menstrual, como mostrou o relatório Livre para Menstruar, feito pelo movimento Girl Up. Além disso, o estudo "Impacto da pobreza menstrual no Brasil", divulgado em maio de 2021 pela Always e a plataforma de pesquisas Toluna, demonstrou que mais de 1/4 das mulheres jovens já deixaram de ir às aulas por não conseguirem comprar um absorvente. Segundo o relatório "Pobreza menstrual no Brasil - Desigualdades e violações de direitos", organizado pelo Unicef, 3% de meninas em idade escolar estudam em escolas onde não têm banheiro em condições de uso. A pesquisa também mostrou que 1,24 milhão de meninas (11,6%) não têm papel higiênico nos banheiros das escolas. Considerando que 713 mil meninas não têm acesso a nenhum banheiro em suas casas e outras 632 mil vivem sem um banheiro de uso comum no terreno ou propriedade, a situação analisada é ainda pior.

Ponderando que a média de idade da primeira menstruação nas mulheres brasileiras é de 13 anos, a grande maioria das jovens passará sua vida escolar menstruando. Assim, a falta do absorvente afeta diretamente o desempenho escolar dessas estudantes e restringe o desenvolvimento de seu potencial na vida adulta. A Pesquisa Nacional de Saúde 2013, do IBGE, revelou que 2,88% das meninas entre 10 e 19 anos deixaram de fazer alguma atividade por problemas menstruais, enquanto o índice de meninas que não realizaram alguma atividade por causa da gravidez e/ou parto foi menor, 2,55%. Ou seja, além do impacto na saúde mental, a pobreza menstrual aumentara desigualdade na educação entre homens e mulheres, pois elas acabam faltando mais vezes às aulas por um ato biológico. O desconhecimento da importância da higiene menstrual para o bem-estar e a atrelamento aos responsáveis para a compra do absorvente, em um Brasil que tem 19 milhões de pessoas passando fome, prejudica essas adolescentes. Dados do relatório Livre para Menstruar estima que uma pessoa que menstrua gasta entre R$ 3 mil e R$ 8 mil reais ao longo da vida com a compra de absorventes, o que, para as pessoas em situação devulnerabilidade social, representa quatro anos de trabalho para custear os absorventes que serão utilizados em sua vida. Se absorventes fossem distribuídos gratuitamente, a taxa de evasão feminina seria muito menor e o desenvolvimento escolar das meninas seria maior.

Ademais, ser obrigada a usar métodos alternativos, como miolo de pão e panos velhos, colocam a saúde em risco. Há outras que até conseguem comprar absorvente ou ganhar em uma quantidade não suficiente, resultando em horas ou dias com o mesmo absorvente. O relatório do Unicef relatou os riscos para a saúde da pobreza menstrual: alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candidíase, e até a  Síndrome do Choque Tóxico, que pode levar à morte. Atualmente, o Brasil tem 37.828 mulheres presas, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), e são outras das principais vítimas da pobreza menstrual. O kit de higiene distribuído nos presídios era o mesmo para mulheres e homens, não tinha absorventes ou papel higiênico em quantidade suficiente para as mulheres. Das  mulheres presas, 24,9% estão em unidades que não possuem a estrutura prevista no módulo de saúde, deixando de atender à Lei de Execução Penal e Portaria Interministerial. Tal como as jovens nas escolas, mulheres encarceradas usam miolo de pão, jornal, pedaço de pano, papel higiênico, tendo que trocar a cada 20 minutos, paralisando a vida por aquela semana em que ela está menstruando. Dessa forma, a reintegração social, que é o objetivo das prisões, é dificultada pela falta de tratamento humanitário que é de direito de todas as pessoas. Dificuldades de acesso a serviços de saúde e infraestrutura também são comuns à população em situação de rua. Locais para se higienizarem são difíceis para todos os moradores de rua, mas as mulheres sofrem muito mais com essa falta de acesso e de locais em que a privacidade esteja presente.  As mulheres em situação de rua enfrentam inúmeros preconceitos e sofrem mais violência.

Para as mulheres, a ausência de absorventes não só faz com que percam a confiança e a autoestima como retratado no documentário vencedor do Oscar de 2019 "Absorvendo o Tabu", mas também leva a mudanças de comportamento e afeta diretamente sua educação. Vivemos em uma sociedade na qual as mulheres escondem absorventes e ficam com vergonha ao serem vistas comprando o produto reflete a dificuldade de falar sobre menstruação. Tida como um tabu, muitas meninas crescem e passam por toda a primeira menstruação sem nunca ter discutido com familiares e amigos sobre o assunto, passando pelo processo sozinha. Todo o cenário de insegurança desde a primeira menstruação é acompanhado de vergonha, medo, preocupação e rejeição, podendo até piorar quando a pessoa não dispõe dos produtos de higiene mais básicos. A conscientização sobre o tema ainda caminha a passos lentos. Nesse contexto, percebe-se que a pobreza menstrual não é apenas a falta de poder aquisitivo para adquirir produtos de higiene pessoal, mas também a falta de informação e a forma como a sociedade reconhece o tema. O absorvente hoje não é considerado um item prioritário por muitas famílias e, principalmente, pela política pública nacional, o que favorece a falta de conscientização e ações socioeducativas, principalmente no campo da saúde pública.

É urgente investir em infraestrutura e acesso a produtos de higiene menstrual. Por exemplo, os centros de saúde podem fornecer absorventes, assim como já é feito com preservativos e medicamentos, e tal como na Escócia, que em novembro do ano passado, tornou-se o primeiro país a fornecer esses produtos gratuitamente e universalmente. De acordo com a lei, os governos locais devem garantir que produtos como absorventes externos, absorventes internos, de pano e coletores menstruais sejam fornecidos gratuitamente em escolas, universidades, banheiros públicos, centros comunitários e farmácias. Além disso, as taxas de impostos podem ser reduzidas para tornar esses produtos mais baratos, porque o Brasil impõe altos impostos sobre absorventes. Há exemplos de outros países, a isenção fiscal em produtos de higiene menstrual já é prática em países como Alemanha, Canadá, Quênia e Índia, enquanto a França, Inglaterra e Luxemburgo optaram por reduzir os impostos. O saneamento básico em escolas deveria ser uma obrigação, assim como nos lares brasileiros.

A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um princípio essencial da democracia. - Dilma Rousseff

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