Branco demais para ser preto e preto demais para ser branco: o dilema da miscigenação

O conceito de raça foi inventado para criar uma hierarquia entre povos e, dessa forma, fosse justificável a dominação sobre outros grupos. As teorias raciais serviam para criar e ampliar a ideia de que brancos eram e são superiores, muito adotado na Segunda Guerra Mundial. No Brasil não foi diferente, os europeus trouxeram consigo o pensamento de quanto mais claro mais puro e digno, entretanto no Brasil uma nova camada surgiu devido a miscigenação entre os povos que aqui moravam. Esse grupo foi denominado pardo, e no último censo demográfico do IBGE, 45,06% da população se considerou parda. Porém, o que fez essa classificação começar a ser questionada nos últimos anos? Ela realmente é válida? Como podemos nos identificar?

A miscigenação está presente no Brasil desde a chegada dos portugueses, através de, primeiro, mulheres indígenas e depois, dessas mulheres e também de mulheres pretas. Os filhos que nascessem com o tom de pele claro receberia mais privilégios, poderia viver na casa grande com o pai, já aquele que tivesse o tom de pele preto continuaria na senzala. Após à assinatura da abolição da escravidão, começou um incentivo à eugenia desses povos recém libertos. Para limpar a imagem de um país preto, o governo estimulou a vinda de imigrantes europeus e o casamento dos mesmos com a população preta. Tal mistura ocasionou em um tom mais claro da pele preta e tons mais escuros da pele branca, e nisso abriu uma cartela de possibilidades, com pessoas brancas criando termos como ''morena'' e ''mulata'', ambos racistas, para referir-se à pessoas pretas de pele clara. Outro termo proveniente dessa época é o termo pardo, usado para designar pessoas filhas de um branco com um preto. Muitas pessoas, quase 103 milhões de brasileiros, se identificam como pardos por ter um pai branco e outro negro, contudo, essa é a forma mais correta de se identificar em uma etnia?
É visível que no Brasil há grande influência dos Estados Unidos, na comida, programas televisionados e na política não é diferente. Muitos dos conceitos aplicados no Brasil são de origem estadunidense, como o colorismo ou pigmentocracia que quer dizer que quanto mais pigmentada a pele, mais discriminação e exclusão a pessoa sofre, sendo muito importante para o movimento negro brasileiro. Desde o crescimento da internet e do número de canais de pessoas pretas, iniciou-se essa a discussão sobre a existência de pessoas pardas, porque devido a mestiçagem criou-se inúmeras combinações de tom de pele, diferentemente dos Estados Unidos. Esse país sofreu com a segregação mesmo após a abolição da escravidão, e isso impediu que tivesse uma cartela de cores tão grande quanto o Brasil, portanto, quando pardos vão para o exterior, seja Estados Unidos ou qualquer país da Europa, são lidos como ''latinos'' por não serem brancos caucasianos. E esse é o principal argumento para as pessoas se identificarem como pardas, porque não são tão claras para serem brancas e no exterior não seriam lidas como tal. Porém, como já foi falado, o Brasil tem uma pluralidade de cores e as leis do exterior não se aplicam aqui, e por mais que a pessoa não seja branca ou negra pura, ela ainda é um dos dois, só não nos mesmos padrões.
Da mesma forma que ''pardo'' é usado para escurecer pessoas brancas, acontece com pessoas pretas. O termo foi criado para o censo demográfico conseguir identificar as pessoas que não nasceram de pais de cores iguais, porém, ao longo da história ele foi utilizado para apagar a cor de pessoas pretas. Esse embranquecimento torna a luta pelo movimento preto mais complicado, pois antes mesmo de lutar pelos direitos do pretos a pessoa tem que se identificar como uma. Para pretos retintos é fácil, o racismo é escancarado, mas quanto mais claro, mais velado ele fica e se reconhecer em meio a comunidade é difícil. Perpetuar o uso do termo pardo é perpetuar esse desconhecimento sobre a sua própria identidade, seja você preto ou branco. Vários pretos passam a vida inteiro se identificando como pardos por serem ''claros'' demais, e por causa de algumas pessoas que não aceitam-as no movimento preto. Nenhum movimento social tem um consenso sobre como agir em todos os movimentos, mas a reação de alguns faz muitos se afastarem e não se reconhecerem.

IDENTIDADES

Se nós aplicarmos as leis do exterior no Brasil, toda pessoa com um ancestral preto seria preta e assim, apagaríamos os privilégios que uns tem em relação a outros. Esses privilégios deixam claro que no Brasil existem pessoas brancas que não são ''puras'', visto que mesmo não sendo caucasianas, não passariam por nenhum tipo de preconceito devido a sua cor de pele. A cultura enraizada de que quanto mais claro e com traços mais finos melhor torna possível que exista essa diferença entre o conceito de branco brasileiro para o de outros países. Você pode ajudar nessa luta se identificando e se posicionando, porque se reconhecer é ser político. Como se reconhecer? Isso só você sabe, o seu espelho te diz isso, sua vivência te diz isso.
Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele. - Martin Luther King.

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