Origem do Talibã: as influências imperialistas no Afeganistão

Em agosto de 2021, os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países que formaram uma aliança militar para garantir a segurança do Afeganistão anunciaram sua retirada do Afeganistão. Após a retirada das tropas estrangeiras, o Talibã recuperou imediatamente o controle de cidades importantes. No domingo, 15 de agosto, ele anunciou que havia assumido o controle do palácio presidencial no Afeganistão depois que o presidente Ashraf Ghani deixou o governo e fugiu para o Tajiquistão.


Desde o ataque às Torres Gêmeas, os Estados Unidos mantiveram tropas no Afeganistão por quase duas décadas. Esta é a guerra mais longa da história dos Estados Unidos. Sucessivos governos dos EUA foram pressionados a encerrar a "guerra sem fim" no Afeganistão. Em dado momento, antes de 2012, os Estados Unidos chegaram a ter mais de 100.000 soldados no Afeganistão, e o custo da guerra com o Talibã chegou a US $ 100 bilhões por ano. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos estima que, em 2019, o custo da guerra no Afeganistão ultrapassou US $ 770 bilhões, mas projeções indicam que o custo ultrapassou US $ 1 trilhão. Em 2017, Donald Trump assumiu o governo dos EUA, então ele teve que lidar com a situação no Afeganistão. As negociações de paz internas entre o governo afegão e os rebeldes começaram em setembro de 2020, mas logo pararam. Trump começou a retirar as tropas do país nas últimas semanas de seu mandato e anunciou que retiraria as últimas tropas dos EUA a partir de 1º de maio de 2021. O governo Biden foi eleito prometendo lidar com os problemas internos dos EUA e acabar com as guerras no exterior que tem consumido os recursos públicos dos Estados Unidos. Em abril de 2021, o presidente Joe Biden anunciou o adiamento do pedido de retirada das tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e dos Estados Unidos do Afeganistão até 11 de setembro, vigésimo aniversário dos atentados em Nova York e Washington. Logo em seguida, o prazo foi adiantado para o final de agosto.

As agências de inteligência dos EUA previam que o Talibã controlaria Cabul em 90 dias. Mas em menos de uma semana, em 15 de agosto, o presidente deixou o Afeganistão e o Talibã conquistou a capital do país. Além de controlar a capital, o Talibã garantiu que havia assumido ainda o controle da prisão militar de Bagram, que foi um símbolo da ocupação militar do Afeganistão por forças internacionais por muitos anos. Muitos líderes insurgentes do Talibã e centenas de prisioneiros foram mantidos no local, que foi usado como a maior e mais importante prisão americana no Afeganistão. O controle da prisão disputada foi transferido para o governo afegão em 2013. Embora o centro seja considerado uma fortaleza por sua tecnologia militar avançada, os americanos partiram sem avisar e não realizaram treinamento de equipamento para o exército afegão, disseram autoridades locais. Situação que reflete um descaso que tem origem há décadas atrás.

Na história moderna, o Afeganistão passou por tantas instabilidades e conflitos armados que sua economia e infraestrutura ficaram em ruínas. No século 19 e no início do século 20, a Grã-Bretanha empreendeu três guerras contra o exército afegão e encontrou contratempos inesperados no campo de batalha. Nelas, eles alcançaram apenas um sucesso em 1880 e, após outro fracasso, retiraram-se permanentemente em 1919. No entanto, a história do conflito e da ocupação no Afeganistão pode ser contada a partir da década de 1970. A monarquia afegã que governava até então foi derrubada após o golpe de 1973, e Mohamed Daoud Khan tornou-se presidente. Acontece que o novo governo não agradou o Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA), um partido de orientação marxista. Assim começou a Revolução de Saur. Em 1978, um violento golpe assassinou o presidente Mohamed Daoud e nomeou Nur Mohamed Taraki como o novo líder.

As propostas do novo governo eram bem diferentes do cenário religioso ao qual associamos o Afeganistão: elas instituíam o ensino laico, reforma agrária e a participação feminina na política. Grande parte da população via essas medidas como uma ameaça ao islamismo.  Ocorreu um racha dentro do partido, o que levou a um novo golpe de estado no Afeganistão. Taraki caiu e Hafizullah Amin assumiu o poder. Mas ao contrário do governo anterior, que era aliado da União Soviética, a gestão de Amin não agradou os soviéticos. A URSS enxergava uma possibilidade de aproximação entre o Afeganistão e os EUA. Além disso, ela temia que o governo de Amin não conseguisse controlar os mujahidin grupos rebeldes islâmicos que se organizavam no interior do país. Com isso, a URSS invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979, o que resultou no quarto golpe de estado em menos de 10 anos. Como os britânicos, os soviéticos obtiveram vitórias iniciais, contando com ataques aéreos e tropas bem equipadas.  Isso levou a um conflito entre os mujahidin e os soviéticos, que ficou conhecido como Guerra do Afeganistão. 

No início da década de 1980, os Estados Unidos decidiram financiar os Mujahedin por meio da CIA. O financiamento do Paquistão e dos Estados Unidos, bem como as armas e treinamento de combatentes islâmicos obtidos dos americanos mudaram tudo. Voluntários de todo o mundo receberam treinamento e armas. Entre eles, estava Osama bin Laden, o saudita que fundaria a rede al-Qaeda. A União Soviética, com sua decadência, retirou suas tropas do Afeganistão em fevereiro de 1989, causando graves danos ao país. Após a saída da União Soviética, o país entrou em conflito entre o governo e os mujahidin. As tentativas de manter um governo funcionando fracassaram e os "senhores da guerra" dividiram o Afeganistão - um grupo de estudantes de escolas religiosas do Paquistão considerou isso inaceitável. O Talibã nasceu neste contexto, é um grupo derivado dos mujahidin. A ideologia do grupo baseia-se no pashtovari como elemento central, norma que regula a vida dos pashtuns, com valores como bravura, lealdade e a responsabilidade de proteger a própria cultura. Em 1994, sob a liderança de Omar, um veterano da guerra contra os soviéticos, o Talibã ocupou a cidade de Kandahar e, em 1996, a capital Cabul, e implementou um regime extremista.

Uma vez no poder,  ele aplicou estritamente a lei islâmica Sharia, que violava os direitos humanos em certa medida e era particularmente severa com mulheres e meninas. A partir dos dez anos, as meninas foram proibidas de ir à escola. As mulheres eram obrigadas a usar a burca, que é um tipo de roupa que cobre todo o corpo. Dirigir um carro era motivo para ser condenado à morte. Elas só podem sair em público com um homem, geralmente um marido ou irmão. Além disso, era proibido consumir cultura não islâmica, como televisão, música e cinemas. As supostas violações da lei Sharia eram puníveis com pena de morte. As minorias étnicas eram forçadas a pagar mais ou fugir para evitar serem levadas a tribunais religiosos. O regime se manteve com o apoio do Paquistão e da Arábia Saudita e não parecia sucumbir às ameaças estrangeiras - internamente, conseguiu conter os ataques de grupos hostis. Mas um aliado aceleraria o ocaso: desde 1995, a organização abrigava a rede terrorista Al-Qaeda de Osama bin Laden.

Após a primeira Guerra do Golfo em 1991, os Estados Unidos estabeleceram uma base militar na Arábia Saudita e a Al Qaeda declarou guerra ao país. A partir daí, a organização liderou ataques em todo o mundo, visando a embaixada dos EUA na África e navios no Mar Vermelho, matando centenas de pessoas. A Al Qaeda controlava partes do território afegão perto da fronteira com o Paquistão, participando dos combates e cometendo atrocidades contra civis. Na manhã de 11 de setembro de 2001, a situação mudou. O sequestro de quatro aeronaves nos Estados Unidos - dois delas colidiram com as Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York, uma colidiu com o Pentágono e a quarta caiu antes de atingir a capital dos EUA - resultando na mobilização da OTAN, a aliança militar criada para se opor ao bloco socialista na Guerra Fria. O artigo 5 dessa organização estipula que um ataque contra um é um ataque a todos. Assim, este artigo se aplicaria à Al-Qaeda e, consequentemente, ao Talibã.

Em 2001, George W. Bush e aliados, como a Inglaterra, Alemanha, Canadá e Austrália, formaram a primeira cruzada contra o Afeganistão, marcando a entrada de tropas americanas no território afegão. Os americanos alegavam que o Talibã fornecia apoio e abrigo para o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden. Em poucas semanas, os EUA tomaram o poder da região. O governo instalado em seguida, internacionalmente reconhecido com uma nova constituição, encontrou muitas dificuldades para estender seus poderes além de Cabul e estabelecer a unidade nacional. Bin Laden só seria morto dez anos depois, nos arredores de Islamabad, no Paquistão. Os líderes do Talibã fugiram com os da Al Qaeda para o sul e leste do país e para o Paquistão. Após o fim do governo Talibã no Afeganistão, a organização se refugiou na área de fronteira com o Paquistão, que é uma das poucas áreas que reconhecia o governo Talibã como legítimo. A presença de tropas americanas no Afeganistão tornou o sentimento anticolonial ainda mais forte. Ao longo dos anos, o Talibã foi fazendo progressos, através de um recrutamento de guerrilheiros. 

Agora, o Talibã assumiu Cabul, quase 20 anos depois. O grupo extremista quer recuperar o que foi perdido depois que os Estados Unidos intervieram na região. Desde que o governo dos Estados Unidos começou a retirar suas últimas tropas do país em maio, o grupo extremista islâmico têm avançado por cidades afegãs. O Talibã apreendeu agências governamentais, fechou aeroportos e posicionou tropas nas ruas da cidade. De acordo com o portal local Shamshad News, a província de Paktia, no leste do Afeganistão, interrompeu a vacinação. Desde que o grupo assumiu a província, a vacina contra covid-19 parou de ser distribuída na área. O diretor provincial de saúde pública, Walayat Khan Ahmadzai, Walayat Khan Ahmadzai disse que o Talibã ordenou aos funcionários do hospital regional que parassem de distribuir vacinas, o que levou ao fechamentos dos postos de vacinação na região.

Mas para mim o melhor modo de lutar contra o terrorismo e o extremismo é fazer uma coisa simples: educar a próxima geração. - Malala Yousafzai

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