Novo ensino médio: aprofundando a desigualdade social

A reforma do ensino médio foi introduzida em setembro de 2016, logo após o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a nomeação de Michel Temer como presidente. Hoje, os alunos devem completar 800 horas de estudo na escola a cada ano letivo. No entanto, a partir do momento em que a reforma entra em vigor, o tempo mínimo de que cada aluno precisa para concluir é de 1.000 horas por ano. Um dos pontos mais abordados em debates sobre a reforma do Ensino Médio foi a inclusão de matérias obrigatórias. No primeiro momento, Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia foram retiradas dessa lista. No entanto, essa decisão foi anulada e agora eles deveriam fazer parte do currículo.


O Novo ensino médio entrará em vigor entrará em vigor para os alunos do primeiro ano em 2022 e se aplicará a todas as turmas do país até 2024. O novo currículo do ensino médio é organizado por áreas de conhecimento ao invés de disciplinas e incluirá 4 áreas de conhecimento (Matemática e suas tecnologias, Linguagens e suas tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências da Natureza e suas tecnologias) mais 1 de formação Técnica e Profissional. Com a nova estrutura, a carga horária passará de 2.400 horas para 3.000 horas. Dentre elas, 1.800 horas serão destinadas às únicas disciplinas obrigatórias nos 3 anos, sendo as 1.200 horas restantes destinadas ao itinerário formativo. A proposta do Itinerário formativo é que o estudante escolha um percurso de aprendizado que dialogue com seus interesses e projeto de vida. Esses itinerários oferecem ao estudante do novo Ensino Médio a possibilidade de um estudo aprofundado em uma ou mais áreas de conhecimento, na qual entra o ensino de matérias não obrigatórias como Geografia, História, Física, Química, Biologia, Artes, Educação Física, Sociologia e Filosofia, ou a formação técnica e profissional.

Foram muitas as justificativas para reformular o Ensino Médio: um ensino de baixa qualidade, generalista, com número excessivo de disciplinas, alto índice de evasão e de reprovação e distante das necessidades dos estudantes e dos problemas do mundo contemporâneo. Todavia, o novo ensino médio aprofunda a desigualdade educacional, uma vez que dificilmente as escolas públicas terão condições para ofertar todos os itinerários formativos e há a redução da carga horária das disciplinas gerais. Assim sendo, teremos alguns alunos (da elite) adquirindo todo o conhecimento acumulado pela humanidade e socializado pela escola, enquanto a grande maioria dos alunos (de baixa renda), renda) só terá acesso a parte do conhecimento. Para as famílias de baixa renda, já é muito difícil para os filhos mais velhos continuarem na escola, não só pelo custo de ir à escola, mas também porque precisam usar o tempo dos estudos para trabalhar e ajudar em casa. Além disso, a falta de financiamento e de prioridade do governo faz com que boa parte das escolas públicas esteja sucateada, com problemas de infraestrutura e falta de professores e outros profissionais da educação. Portanto, a escola pública, principalmente na etapa de formação dos jovens, precisa de mais investimento e de uma relação permanente com outras políticas sociais, problemas que extrapolam o âmbito curricular.

O discurso falso de ser uma alternativa a alta evasão e baixo desempenho dos estudantes, propondo um ensino médio mais “atrativo” mascaram os interesses dos empresários e não resolvem os problemas para a educação.  Os interesses dos empresários na educação é criar as condições necessárias para reproduzir o sistema capitalista e legitimar todas as desigualdades, ao invés de questioná-lo ou reformá-lo, formando a mão de obra necessária para sua reprodução, que aceitará a precariedade e desigualdades. O interesse por trás do novo colégio é formar uma força de trabalho obediente, que não questiona, com as habilidades e competências determinadas pelas empresas, que reproduza o sistema capitalista, com piores condições de trabalho, que aceita toda a política de austeridade e de retirada de direitos da política neoliberal. Para os jovens da elite se coloca o acesso ao conhecimento pleno e as possibilidades vindas desse conhecimento. Para as camadas populares, formação aligeirada para inserção no mercado de trabalho precarizado, sem sonhar em horizontes mais amplos.

Ao retirar do currículo horas-aula da chamada formação generalista, a reforma criou mais desigualdade entre os alunos de escolas públicas e privadas, dificultando para os alunos pobres irem para a faculdade. Essa reforma leva uma grande parte da população (os mais pobres) ao encurtamento para o mercado de trabalho. Ela não possibilita que esse jovem chegue à universidade, seja porque os cursos do conhecimento científico serão encurtados, seja porque espera que ele vá para o caminho do mercado. De modo geral, as crianças das famílias mais pobres são encaminhadas para trajetórias profissionais. E a escola direciona de uma maneira até cruel. O aluno com as piores notas não irá para a universidade de qualquer maneira, então assim pelo menos ele arruma trabalho. Como se essa formação garantisse trabalho. Um diploma não gera emprego. Sem política de trabalho decente, ele vai cair no mercado de trabalho precário e essa reforma está levando os jovens a um mercado de trabalho precário. Nessa reforma, o estudante fica sem o instrumento da escolarização para superar a precarização do pois não recebeu uma formação para que pudesse continuar seus estudos. Ele está sendo limitado. O mercado de trabalho precisa de um profissional que saiba ler, interpretar um sinal, operar tecnologias. É uma formação mais complexa. No entanto, com essa reforma os estudantes estarão trocando uma formação generalista por uma promessa de emprego, mas isso não vai acontecer porque o mercado de trabalho não vai absorver esses profissionais. Não existe mercado de absorção dessa mão de obra. Mas, ela também não é profissionalizante à medida que a carga horária está muito abaixo do que é um curso técnico regular conceituado.

A proposta tem levado a crer que os alunos vão escolher uma área de especialização aos 14 ou 15 anos, o que já é cruel.  Contudo, as redes de ensino terão autonomia para definir, de acordo com a realidade local, quais itinerários formativos vão ofertar. Ou seja, se perto da casa do estudante só possui uma escola, ele será obrigado a estudar os conteúdos que a instituição oferece, sem a falsa possibilidade de escolha que estão tentando adicionar à mente da população e limitando o acesso dos alunos. Ter acesso a uma visão ampla do conhecimento para depois definir por qual caminho seguir é um direito que não pode ser retirado da juventude. Interesses não são espontâneos nem naturais, mas são determinados pelas condições de vida específicas do indivíduo. É improvável que um jovem que não frequente cinema, teatro ou museus, por exemplo, vai desenvolver um interesse específico pelas artes. Aqui, o interesse é limitado pela falta de acesso. Da mesma forma, a rápida entrada no mercado de trabalho pode ser entendida como o “interesse” de alguns estudantes brasileiros quando, na verdade, talvez seja apenas a urgência de jovens da classe carente contribuírem para a renda familiar. Isso quer dizer que os “interesses” individuais também refletem a desigualdade da sociedade. Visando superar essa desigualdade que existe na sociedade, a escola deve ser um espaço onde todos tenham igual acesso ao conhecimento e oportunidades de desenvolvimento intelectual. Organizar a educação com base em “interesses” significa a naturalização da desigualdade social, reproduzindo-a na escola.

Criticar o novo ensino médio não significa ignorar os problemas que este nível de ensino apresenta. Porém, é preciso compreender os antecedentes e as condições que levaram ao estabelecimento de tal quadro nas escolas de ensino médio para apontar caminhos para superar a desigualdade educacional. Devemos considerar uma política pública igualitária, voltada para todos, não uma política de distribuição de educação de qualidade a um grupo e distribuição de educação superficial às massas populares. Uma premissa para qualquer projeto deve ser a de uma educação voltada para a transformação da sociedade, eliminando a desigualdade, com diversidade cultural e a inclusão social, não uma educação para a reprodução do capitalismo. A única forma de garantir essa educação, é sendo pública, de administração pública e a gestão de educadores, pois apenas estes entendem os desafios da educação e têm qualificação e conhecimento para lidar com eles. Precisamos que toda a comunidade escolar acredite na necessidade de um projeto de educação desenhado pelo povo e o povo para atender às suas necessidades.

Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo. - Paulo Freire

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