Insegurança alimentar no Brasil: um retrocesso de 15 anos

A realidade utópica do filme "O poço" revela a gravidade do problema da insegurança alimentar. Enquanto poucos recebem muito em seus pratos, muitos ficam de estômagos vazios. Tal realidade é algo que o Brasil tem combatido através de programas, como o Bolsa Família e Fome Zero, mas que tem sido destruídos, levando o Brasil, novamente, para uma situação de insegurança alimentar. A insegurança alimentar é a situação em que a população do país ou região não tem acesso físico, social e econômico a recursos e alimentos nutritivos que atendam às necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável.

Segundo o documento aprovado na II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e adicionado na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) (Lei nº 11.346, de 15 de julho de 2006), a segurança alimentar é definida da seguinte forma: “A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis.”

Dentro da definição de segurança alimentar, é possível encontrar quatro fatores que podem gerar insegurança alimentar: disponibilidade, estabilidade, acesso e utilização. O O primeiro fator refere-se à capacidade da agricultura de atender à demanda de alimentos. Essa disponibilidade depende das condições agroclimáticas e de fatores socioeconômicos e culturais que determinam onde e como os agricultores operam. Por outro lado, a instabilidade refere-se ao risco de não conseguir obter, temporária ou permanentemente, os recursos necessários para a alimentação, seja por renda insuficiente ou falta de reservas. Já o acesso diz respeito à repartição de recursos e direitos para obtenção adequada de alimentos para refeições nutritivas. Os alimentos podem estar disponíveis, mas as populações pobres podem não ser capazes de obtê-los, seja por problemas de renda ou outros fatores, como conflitos internos, comportamento monopolista, desvio de fundos públicos ou aumento das exportações. A utilização abrange os aspectos de segurança alimentar e qualidade da nutrição. Suas subdimensões estão relacionadas à saúde, incluindo as condições sanitárias de toda a cadeia alimentar. Portanto, uma pessoa pode até ter acesso a alimentos, mas eles são tão pobres em nutrientes que ela permanece fica em uma categoria de insegurança nutricional, formando os “desertos alimentares’’.

Segundo o estudo “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, coordenado por pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília em 2021, em 15% das famílias enfrentam escassez de alimentos e fome. No último trimestre de 2020, mais de 59% das famílias pesquisadas sofreram de insegurança alimentar. Esse percentual representa 125,6 milhões de brasileiros. O acesso da população brasileira a alimentos importantes para a alimentação diária também diminuiu: 44% das pessoas reduziram o consumo de carnes e 41% reduziram o consumo de frutas. Durante a pandemia, o consumo de alimentos considerados saudáveis ​​pelos entrevistados em famílias com insegurança alimentar diminuiu em mais de 85%. Os respondentes em situação de segurança alimentar tiveram uma redução muito menor (entre 7% e 15%). Para se ter uma ideia, o número de famílias com insegurança alimentar no Brasil tem aumentado nos últimos anos, principalmente no contexto da nova pandemia de coronavírus. A insegurança alimentar grave atinge 9% da população, de acordo com a pesquisa “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). De acordo com o levantamento, 112 milhões de brasileiros sofreram algum grau de insegurança alimentar em 2020, o que é equivalente a mais da metade da população do país. Há estimativas de que o Brasil tenha retrocedido 15 anos no combate à fome apenas nos últimos cinco anos, chegando a patamares de insegurança alimentar próximos aos de 2004, anteriores a uma série de políticas sociais para aumento da renda e do combate efetivo à fome.

Para além da pandemia, o quadro é agravado por decisões políticas que, desde 2016, contribuem para a redução de iniciativas governamentais que tentam reduzir a insegurança alimentar no Brasil, por exemplo, as extinções do Ministério de Desenvolvimento Agrário, em 2016, e do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, em 2019. Órgãos estes que impediam que a agricultura brasileira não fosse completamente voltada para a produção de commodities, assegurando que a população teria alimentos dentro do país, visto que a narrativa do agronegócio brasileiro, que se baseia na grande produção, se apresenta como os promotores da segurança alimentar no país não é verídica. A agricultura familiar, que emprega 10,1 milhões de pessoas e corresponde a 23% da área de todos os estabelecimentos agropecuários, são responsáveis por produzir cerca de 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87% da mandioca, 60% da produção de leite e 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. Enquanto isso, o agronegócio tem seu foco para produção de commodities ao invés de servir para alimentar e gerar renda compartilhada. O censo agropecuário de 2017 do IBGE aponta ainda que a agricultura familiar corresponde a 23% da área de todos os estabelecimentos agropecuários. O sistema alimentar dominante do país, agropecuária exportadora, concentra propriedade, tem impactos sociais e ambientais onde atua e promove êxodo rural. Esse modelo não tem a perspectiva de alimentar pessoas, é um grande negócio global. O mundo nunca produziu tantos alimentos como agora e a fome continua. Essa situação revela uma situação de falta de fiscalização pela ausência de órgãos como o CONSEA. Em 2020, um levantamento feito pelo engenheiro agrônomo Gerson Teixeira, ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), com base em dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras instituições, demonstrou que os estoques médios de alguns alimentos no Brasil estavam abaixo do índice mínimo de segurança alimentar necessário para o país, que gira em torno de 20% do consumo anual. Além do risco de falta de produtos no mercado, a situação dos estoques tem como consequência a inflação no preço dos alimentos em geral. Dados do IBGE mostram que, nos primeiros quatro meses de 2020, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) apresentou variação de 0,22%. O aumento no preço de produtos se insere no contexto de falta de investimentos governamentais no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra produtos da agricultura familiar, e no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Entre diversas obras midiáticas que retratam situações de fome, os documentários "Por Uma Vida Melhor" e "Insegurança à mesa"  retratam segurança alimentar e nutricional no Brasil. O destaque é a questão da segurança alimentar e nutricional no nosso país, a luta para superar deficiências graves nesta área, em especial no que se refere ao histórico problema da fome. Assim,  a situação atual é o agravamento de uma tendência que já era anterior, que nos leva a identificar o desmonte de políticas públicas, além da crise econômica, do desemprego, da precarização do trabalho, e da baixa remuneração. Para superar esse cenário de emergência, é preciso soluções emergenciais. Uma das soluções é o auxílio, que é instrumento essencial e deve ser imediato, para prover uma renda básica. Além disso, é importante reconstruir programas que foram fundamentais, como o programa de cisternas rurais no Nordeste, o Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar, além do fim da política de valorização do salário mínimo que, com o avanço do emprego, foram fundamentais para que o Brasil deixasse do mapa da fome da ONU em 2014. Ademais, a retomada do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que concentrava as ações de apoio à agricultura familiar.

"Não vivemos para comer, mas comemos para viver" - Sócrates

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2 Comentários

  1. Realmente, e o pior é ver ninguém que tem a responsabilidade (ou deveria ter) de cuidar do povo não fazendo nada

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    1. Por isso é tão importante que nas eleições de 2022 nós façamos a escolha correta

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