Discurso de Bolsonaro na ONU: um Brasil que não existe

Nesta terça-feira (21), Jair Bolsonaro deu início a seu discurso em reunião da Assembleia Geral da ONU de forma falsa, já alertando antes “Venho aqui mostrar o Brasil diferente daquilo publicado em jornais ou visto em televisões”, disse ele antes, e deixou claro que iria mostrar um país que não existe. O falso Brasil mostrado pelo Bolsonaro respeita e protege o meio ambiente e os indígenas, luta contra a epidemia, passa fome nem sofre com o desemprego e respeita a democracia. Um governo altamente confiável e livre de corrupção. 


"O Brasil mudou, e muito, depois que assumimos o governo, em janeiro de 2019". Esta foi a primeira frase do discurso de Jair Bolsonaro (apartidário) na 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU. Para partidários e opositores do atual governo, é um fato indiscutível que esse discurso marcou uma viagem caracterizada pela vergonha. O Brasil foi o único líder do G20 que foi a Nova York sem se vacinar, fazendo com que o prefeito da cidade dissesse em alto e bom som que o presidente não era bem-vindo. Além disso, na abertura da conferência, Bolsonaro mentiu em todo o seu breve discurso.

"Estamos há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção"

A Polícia Federal investigou pelo menos dois casos de corrupção envolvendo funcionários administrativos. Em maio, a PF executou uma ordem de busca e apreensão envolvendo o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, o presidente do IBAMA, Eduardo Fortunato Bim, e funcionários de alto escalão do órgão ambiental, sob a alegação de que eram suspeitos de corrupção e apoio ao contrabando de produtos ambientais. Além das "rachadinhas" divulgadas na imprensa, o Ministério Público Federal também está investigando suspeitas de corrupção no contrato de compra da vacina Covaxin pelo Ministério da Saúde, com intermediação da empresa Precisa Medicamentos, e essa CPI da Covid levantou inúmeros casos de corrupção envolvendo a cúpula do governo Bolsonaro. O presidente, inclusive, é alvo de investigação pela Polícia Federal por tentar intervir no governo do Rio de Janeiro.

"Nosso banco de desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias"

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é uma empresa pública federal, realizou 148 negócios em 15 países por meio do mecanismo de crédito à exportação de bens e serviços, que não prevê financiamento para governos ou empresas desses países, mas apenas para empresas brasileiras. Depois disso, o país estrangeiro tem a responsabilidade de reembolsar a dívida com o banco e durante o período especificado no contrato esse retorno rende juros. A União é responsável por estabelecer as operações, países de destino, principais condições contratuais e mitigadores de risco, e o banco é responsável por analisar e implementar essas condições. Segundo o BNDES, o projeto cubano Puerto Mariel “foi o único que incorreu em 100% do risco soberano de um país, não sendo exigidas garantias de terceiros”. Neste caso, a ferramenta de mitigação do risco de crédito é uma conta corrente em Cuba. Desde 1998, as despesas totais em todos os contratos foram de US $ 10,5 bilhões e, até junho de 2021, foram recebidos US $ 12,4 bilhões em dívidas e pagamentos de juros.

"Nossa moderna e sustentável agricultura de baixo carbono alimenta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo"

Primeiro, superestima esse número (segundo a Embrapa, um pouco mais de 500 milhões de pessoas de outros países consomem produtos feitos no Brasil). Depois disso, ele não mencionou o fato de 19 milhões de brasileiros não terem o que comer, nem que mais da metade dos brasileiros hoje têm insegurança alimentar. O agronegócio citado pelo presidente, baseado na produção de commodities de exportação, não consegue nem alimentar os brasileiros. Aproximadamente 70% dos alimentos consumidos pelas famílias no país são produzidos pela agricultura familiar. Bem como a sustentabilidade do agronegócio também não se verificada, já que o modelo é conhecido pelo uso abusivo de agrotóxicos e grilagem.

"Na Amazônia, tivemos uma redução de 32% no desmatamento no mês de agosto, quando comparado a agosto do ano anterior"

Com este número, Bolsonaro apenas disse que teve um mês em que conseguiu fazer melhor do que no ano passado. E talvez não seja o caso: os dados de agosto são polêmicos (o Inpe vê redução, mas o Imazon vê aumento). Tem mais, ele escondeu que a taxa de desmatamento de seu governo nos primeiros dois anos foi a pior dos últimos 12 anos.

"Sempre defendi combater o vírus e o desemprego de forma simultânea"

Bolsonaro nunca incentivou a imunização e se opôs às medidas de distanciamento social, seu governo só comprou vacinas e garantiu assistência emergencial sob pressão dos adversários. Bolsonaro citou a distribuição das 260 milhões de doses de vacinas distribuídas até o momento, mas não falou sobre o uso de estratégias de imunidade de rebanho defendido pelo seu governo (que resultou em quase 600 mil mortes até agora) e a recusa de compra das vacinas fornecidas no ano passado. Em outra ocasião, ele mais uma vez defendeu o uso de remédios sem comprovação científica, humilhando o Brasil perante a comunidade internacional.

"No último dia 7 de setembro, milhões de brasileiros foram às ruas (...) na maior manifestação de nossa história"

Os atos em favor do presidente foram visivelmente menores que eventos anteriores, como os protestos contra a presidente Dilma Rousseff em 2015 e 2016 e as manifestações generalizadas em 2013 que, segundo dados da Polícia Militar, os atos contra a presidenta Dilma Rousseff reuniu cerca de 3,3 milhões pessoas no mesmo dia. Em março de 2016, o Instituto Datafolha estimou que o número de pessoas no ato pelo impeachment na Avenida Paulista era de 500 mil pessoas, o maior ato desde o movimento Diretas Já, em 1984.  Já no 7 de setembro, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo estimou que 125 mil pessoas participaram da manifestação em apoio ao Bolsonaro. 

O presidente Jair Bolsonaro proferiu um discurso previsível durante a 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas, reiterando informações falsas sobre a pandemia do coronavírus, opondo-se à vacinação obrigatória, negando ciência, defendendo o tratamento precoce e ataque à imprensa nacional e internacional, mostrando que o Presidente da República não mudou sua posição de negação e genocídio. O pronunciamento demonstrou que ele não tem condições de continuar a exercer as funções de Presidente da República, permanecer no poder aprofundará nosso isolamento internacional e agravará graves problemas internos. Porém o projeto de Bolsonaro já foi derrotado e ele sabe disso, embora não admita. Seu discurso nas Nações Unidas indica que ele já desistiu, mas até as próximas eleições, não perderá nenhuma oportunidade de continuar a incentivar seu gado, mesmo nas Nações Unidas. Essa é a maneira de não ficar sozinho politicamente.

Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos. - Friedrich Nietzsche

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