O caso Gatsby: como mulheres perdem sua genialidade para a histeria

Os anos de 1920 foram marcados na história como um momento turbulento. Com o peso dos efeitos de uma devastadora guerra e as constantes pressões e dúvidas sobre as relações mundiais, mudanças drásticas ocorreram principalmente nos campos da cultura e da economia. A chamada Jazz Age, revolucionou os modos de uma época em que todos viviam receosos, provocando a moral com saias na altura do joelho (algo mal visto naquele tempo), uma música "animada demais", jovens bebendo em público e a aversão aos bons costumes. 
Neste cenário, surgiu em janeiro de 1925, um livro que mudou diversas gerações ao redor do mundo: O Grande Gatsby, de Francis Scott Fitzgerald. A obra retratou a depressão causada pelo medo geral do desconhecido, além da premissa baseada em álcool, jazz, luxúria, mistério, traições, a pressa em viver e o amor em sua forma mais dolorosa. Precedendo todas estas polêmicas, há uma maior: Fitzgerald plagiou sua esposa, Zelda Sayre.
Rebelde desde cedo, Fitzgerald a tinha como sua inspiração, e este foi o único reconhecimento que Zelda ganhou da crítica. Mas em 1922, a "musa" de Scott foi convidada para escrever a resenha de The Beautiful and Damned, a obra que seria lançada por seu marido na época, no The New York Tribune, e mostrou seu papel como romancista de maneira incisiva: 
"Parece-me que numa página reconheci um fragmento de um antigo diário meu, que desapareceu misteriosamente pouco depois do meu casamento, e também fragmentos de uma carta que, consideravelmente editada, me pareceu familiar. Na verdade, o Sr. Fitzgerald - acho que é assim que ele soletra seu nome - parece acreditar que o plágio começa em casa."


A problemática relação, revela a realidade de uma sociedade que faz com que homens ganhem fama em cima de um feito feminino, e quando tentam ser donas de seus próprios destinos, automaticamente as mulheres se tornam "loucas" e "histéricas". Este processo é facilitado pela ideia enraizada no meio social, que trata a mulher como um "sexo decorativo", sem capacidade para pensar por si mesma. 
Simone De Beauvoir, em sua obra mais famosa, "O Segundo Sexo", afirma que o homem é o ser Absoluto e que o mesmo colocou a mulher na posição de Outro, sendo a existência da última com o único objetivo de satisfazer a existência do primeiro. O feminino, portanto, tem uma relação de vassalagem com seu suserano masculino, não podendo viver independente deste. A exemplo desta conclusão, Zelda investiu em sua carreira como romancista, fato que enfureceu seu marido, que via nesta ação, a perda de sua musa e a fonte de seu sucesso.  Assim sendo, Fitzgerald não queria uma companheira que coexistisse em harmonia com suas ambições, ele queria apenas uma esposa que acatasse seu papel como mulher compassiva. 
Mas não foi apenas Zelda que passou por tal situação. A cientista Rosalind Franklin, determinou a estrutura helicoidal da molécula de DNA e compartilhou seus estudos com o grupo de Maurice Wilkins. Em 1962, Wilkins junto de James D. Watson e Francis Crick, ganhou o prêmio Nobel de Medicina, enquanto Franklin ficou sem reconhecimento (ainda hoje sendo vítima de esquecimento) e foi alvo de insultos e conspiração dos outros cientistas. 
Os acontecimentos anteriores nos provocam uma questão: o que se passa na cabeça masculina que faz com que os homens se achem no direito de tirar a condecoração feminina da arte da mesma? Será apenas ganância? Como citado anteriormente, o homem se colocou como o ser Absoluto de sua espécie, revogando o direito de autoridade de seu Outro, e por esta razão, tudo o que é proveniente da mulher e não seja condizente com seu trabalho uno de seguir a natureza como mãe e esposa, é visto como uma querela sem fundamento. Mas há momentos em que, o homem percebendo no Outro um rival, se desespera, e passa à violência como forma de renegar a individualidade feminina. 
A atração de um homem pela essência feminina, vem da teoria da passividade e imanência de uma mulher. Beauvoir apontou que a mulher é a própria Natureza, pois ela quem gera a sociedade em seu útero (inclusive, a palavra histeria deriva da denominação dada ao órgão reprodutor feminino), então o Absoluto, com medo das ameaças de um ser gerador, afirmou que sua importância era ainda maior, tendo em vista que a terra não é nada sem a semente. Isto explica porque na arte o feminino ocupa o lugar de inspiração, a mulher serve apenas para ser a musa de um "gênio", e quando o Outro tenta se afirmar como dono de seu próprio destino, sua arte é considerada profana e um ultraje à obra masculina, afinal o homem não gosta do intelecto do "sexo decorativo".
Artistas como Marilyn Monroe, sempre foram vistas como um sex symbol e nada além deste pensamento que afirma o feminino como passivo. O que poucos sabem, é que além de sua beleza, Marilyn se interessava por política e tinha uma biblioteca com mais de 400 títulos, sendo alguns deles escritos por personalidades como Aristóteles, Colette, Albert Eistein, James Joyce, Thomas Mann e D. H. Lawrence. Mesmo com todos estes fatos sobre a vida da artista, a sociedade ainda insiste em lhe conferir o papel de "loira burra".
"Achar-se situada à margem do mundo não é posição favorável para quem quer recriá-lo. [...] para emergir do "dado" é antes preciso estar nele profundamente enraizado", é o que debate Beauvoir em sua obra. O esforço masculino em destinar o Outro à imanência, nos coloca à margem e incita o esteriótipo da falta de intelecto feminino, nos fazendo duvidar de nossa capacidade, e promovendo esse ciclo vicioso de controle sobre a musa. 
Em debates sobre a perversão da misoginia, o que podemos ver são homens se colocando como vítimas, utilizando frases como "você só fala mal de homens, você quer o fim da nossa existência?" como mecanismo de defesa para um problema criado por eles mesmos. Esta situação, leva à querela da "histeria feminina", o que provoca no Absoluto uma série de piadas sobre a "agressividade de sua esposa" e o medo que ele possui de mulheres que "controlam demais". A impressão que podemos tirar deste cenário, é a da atração masculina por uma mulher bem comportada e compassiva, que não debate com seu marido, mas que  quando o faz, é vítima dos sarcasmos do mesmo e de seus companheiros homens. 



Por fim, é importante que se destaque que em 1930, Fitzgerald internou Zelda em um sanatório, pois a mesma havia sido diagnosticada com esquizofrenia. Lá, ficou até o fim de seus dias, sob o domínio de um marido que estava apenas fazendo seu papel de "bom homem", enquanto a conduzia ao mesmo destino de diversas mulheres: a dúvida da própria consciência. 

"Eu a amava. E este é o começo e o final de tudo."
 

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